Ter filhos é… pagar mico! Como sobreviver às saias-justas em que as crianças colocam os pais
“Mãe, soltei um pum” ou “pai, aquele homem é muito feio” são apenas alguns exemplos de frases que as crianças insistem em dizer em alto e bom som, deixando os pais mortos de vergonha. Divirta-se com algumas histórias e saiba como agir sem precisar achar um buraco para se esconder.
Ninguém, ninguém mesmo, costuma nos alertar que, com a chegada das crianças, vamos começar a pagar mico. Serão muitos, aliás. Enormes. De várias cores e formas. Se ainda não aconteceu com você, não se vanglorie: sua hora vai chegar. Eu estava toda relaxada escolhendo cebolas no supermercado quando Samuel, meu filho de 4 anos, gritou e apontou para um homem muito acima do peso que escolhia berinjelas a duas gôndolas da gente: “Aquele homem é gordo porque não come comidas saudáveis!”.
Enquanto eles falam apenas “mamãe” e “papai” está tudo sob controle. Mas por volta dos 2 anos, as primeiras frases começam a ser formadas. “É nessa idade que surgem as ideias e a contextualização, ou seja, o entendimento aumenta muito”, explica Marcelo Reibscheid, pediatra do Hospital São Luiz (SP). A partir daí, apertem os cintos porque as crianças começam a perguntar, pedir e, pior, comentar e tirar suas próprias conclusões em voz alta. “Criança é símbolo de espontaneidade. É bom que os pais se preparem porque será difícil que sobrevivam à infância dos filhos sem passar por uma saia-justa”, afirma a psicóloga Rita Calegari, do Hospital São Camilo (SP).
Para a auditora Débora Borges, 32 anos, mãe de João Pedro, 3, a primeira grande vergonha que passou com o filho foi em uma viagem da família para Ubatuba, no litoral de São Paulo. J.P., como é carinhosamente chamado, brincava com uma criança da mesma idade que estava na barraca ao lado com o avô. O homem tinha vitiligo, doença de pele em que ocorre a perda da pigmentação. “Quando meu filho viu o avô do menino, gritou: ‘Mamãe, olha a onça-pintada!’ Eu não sabia onde enfiar a cara. Pedi desculpas ao homem e expliquei ao J.P. que aquilo era um dodói”, lembra Débora. Também foi na praia que o filho da advogada Kátia Muniz, 37 anos, viu um anão pela primeira vez. Gabriel, então com 4 anos, disse em alto e bom som: “Mamãe! Aquele menino tem o meu tamanho e já tem barba!”, lembra, constrangida. “A criança é muito observadora e percebe rapidamente pessoas ‘diferentes’ daquelas com quem está habituada a conviver. Não devemos reprimir a surpresa com a qual ela manifesta seu contato com o mundo, mas sim orientá-la que as pessoas podem se entristecer com certos comentários”, explica a psicóloga.
Outra dica é se antecipar quando avistar uma situação que possa gerar saia-justa e explicar de forma positiva as diferenças entre as pessoas. Heloísa, 4 anos, entrou em uma loja e, ao ver uma menina bem exótica e de cabelos curtos, perguntou na lata: “Você é menino ou menina?”. A mãe de Heloísa, a advogada Juliana Gomes, 37, ficou perplexa e na hora fingiu que não escutou. Mas depois conversou com a filha dizendo que, se ela tivesse uma dúvida como aquela de novo, devia perguntar antes para a mãe. Essa é uma boa saída, pois sela um pacto de confiança com a criança. E, se você também não souber a resposta, deve falar a verdade.
Mas eu aprendi assim!
Quando foi chamada pela professora da filha para conversar, a decoradora Priscila Torres de Sousa, 32 anos, não imaginava o que a esperava. Maria Clara tinha 3 anos e era muito tranquila, por isso a professora se assustou quando tentou cantar para a turma uma música infantil sobre a história de uma perereca e foi interrompida pela menina. “Ela começou a gritar que o nome certo era vagina! Va-gi-na!”, conta Priscila, aos risos.
A professora teve de parar a cantoria e explicar para a turma confusa que perereca existe sim e que é a mulher do sapo. A mãe de Maria Clara descobriu depois que a filha tinha escutado a avó explicando para a irmã mais velha as diferenças entre os órgãos sexuais de meninas e meninos. Muitas vezes achamos que a criança, por parecer distraída, não está ouvindo e prestando atenção. Mas é importante que as orientações sejam sempre muito claras porque elas não entendem ironia ou mensagens subliminares.
Ainda segundo a psicóloga, as crianças sempre repetem o que aprendem porque querem usar a informação, testá-la e mostrar aos adultos que também são sabidas. Por isso, Pietro, 4 anos, resolveu dar conselhos à mãe na fila do supermercado: “Você precisa tomar mais água porque ontem seu cocô estava duro!”. A dona de casa Erika Zazzera, 35 anos, caiu na risada junto com o homem que estava atrás dela na fila. Já o gerente Maurício Carrelhas, 37, não conseguiu rir da situação pela qual passou. Ele e a família estavam em pé, naquele aperto, esperando para desembarcar de um avião lotado quando o filho, Caio, na época com 6 anos, perguntou bem alto, com voz “de megafone”, segundo o pai: “Quem foi que peidou?”. Juliana, 2, levantou sua hipótese, também bem alto: “Foi o papai!”. Maurício conta que na hora deu vontade de dizer que não tinha sido ele, mas ficou quieto. “Não tinha o que fazer”, lembra. “Para a criança, é algo natural, algo que ela produz ‘sozinha’ e inconscientemente é motivo de orgulho. Por isso, ela vai falar em público se não for orientada”, afirma Priscila Gasparini Fernandes, psicóloga e doutora em psicanálise pela USP. A solução para isso é ensinar às crianças que alguns assuntos são de foro íntimo e não devem ser expostos em público.
Mas a vergonha mais temida por pais e mães é, sem dúvida alguma, a que a professora Fernanda de Oliveira, 32 anos, passou com Gustavo meses depois de ele completar o primeiro aniversário. O menino se jogou no chão de um supermercado lotado quando a mãe se negou a comprar o doce que ele tanto queria. Os olhares de recriminação vieram de todos os lados e o marido fugiu para bem longe da cena. Ela não pensou duas vezes. Olhou bem para o filho e disse para todos ouvirem: “Melhor se comportar, senão eu vou falar para a sua mãe que não levo mais você para passear!”. Fingir que não era a mãe do próprio filho deu um alívio danado na vergonha pública, conta Fernanda.
Já a advogada Carolina Guerreiro, 36 anos, teve que provar que era mesmo a mãe de César, 2, na hora de ir embora de um shopping. O menino detesta a cadeirinha do carro e não queria sentar nela de jeito nenhum. “Ele berrava desesperado, parecia que eu estava o levando para a morte. Foi um terror!”, lembra. A demora em conseguir colocar o filho no carro, somada ao buzinaço feito por um homem que esperava pela vaga de Carolina chamou a atenção do segurança do shopping, que se aproximou e perguntou se ela era mesmo a mãe do menino. “Ele achou que eu era uma sequestradora de crianças!”, conta. Depois de conseguir colocar César na cadeirinha, a advogada mostrou sua carteira de identidade e a certidão de nascimento do filho, que sempre leva na bolsa. “É importante não ceder ao desejo da criança por maior que seja o escândalo. Quando ela perceber que não irá ganhar o que pretende dessa maneira, o comportamento irá se extinguir”, explica a psicóloga Priscila.
Pequenas mentiras
Marjorie, 3 anos, estava vestida de bailarina quando foi elogiada por uma funcionária da escola de balé. “Era uma senhora bem idosa que falou de um jeito todo carinhoso que minha filha estava linda”, conta a jornalista Fabíola Figueiredo, 33. A pequena dançarina não gostou nada do elogio e engrossou a voz, franziu as sobrancelhas e disparou: “Você não pode falar comigo!”. A mãe tentou contemporizar, dizendo que a mulher só estava sendo gentil. Marjorie não se conformou. “Ela não pode ser gentil comigo, mamãe! Eu não conheço, não sou amiga dela. Ela não pode me chamar de linda!”. A menina se afastou, deixando a mãe, que sempre a ensinou a não conversar com estranhos, sem reação.
“A criança pode ser rígida com o que aprende porque até os 7 anos o mundo dela é dividido entre o que é bom e o que é mau: a bruxa é muito má e a princesa é muito boa. Só quando crescem, o cérebro amadurece para entender que ninguém é cem por cento uma coisa e nem outra. Mas esse conceito é complexo e, quando pequena, ela pode ser mais radical com os ensinamentos, julgamentos e valores morais”, explica Rita. Além disso, as pequenas mentiras do dia a dia, como falar ao telefone que alguém da casa não está quando está, devem ser esclarecidas. “Temos que explicar que estamos de saída e que atender ao telefone poderá atrasar um compromisso”, defende Priscila Gasparini.
A empresária Simone Leme, 37 anos, sabe bem disso e se arrependeu de comentar na frente da filha, Isabela, então com 4 anos, o quanto achou “horrorosa” a decoração do hall do apartamento de uma vizinha. Dias depois, ao pegar o elevador com a mulher em questão, foi desmascarada pela filha, sem dó: “Minha mãe disse que a decoração do seu hall é horrível”, disparou Isabela. Simone teve de aguentar a vergonha por alguns andares, enquanto fingia falar ao celular. Em uma situação como essa, você deve valorizar a criança por dizer a verdade, mas também orientá-la que certas opiniões, como sobre o que é bonito ou feio, nem sempre devem ser expostas porque magoam os outros.
E quando os pequenos fantasiam e envolvem outras famílias no delírio? A comissária de bordo Fernanda França, 28 anos, teve de se livrar de uma confusão daquelas quando o filho, Matheus, 2, saiu correndo pelo saguão do Aeroporto Internacional de São Paulo atrás de um homem que ele achava ser o pai dele. “Ele gritava ‘papai’, ‘papai’ e foi em direção a um homem muito parecido com o meu ex-marido”, lembra. Só que o homem que Matheus confundiu com o pai estava acompanhado por toda a família e de mãos dadas com a esposa, que lançou olhares furiosos a Fernanda. “Enquanto eu dizia para meu filho que aquele não era o pai dele, também tentava convencer a mulher que nunca tinha visto o marido dela na vida!”, ri. O constrangimento da comissária de bordo divertiu muita gente que passava pelo aeroporto – alguns até filmaram a cena! Nessa fase, as crianças estão amadurecendo seu sistema cognitivo e, por isso, a memória, a percepção e o raciocínio delas não são como os dos adultos, e confundem as pessoas facilmente.
A boa notícia é que, graças a essa “juventude” do cérebro, os pequenos se divertem tanto acreditando que as princesas e os super-heróis das festinhas infantis, por exemplo, são os mesmos que veem na TV. Com a confusão de Matheus explicada pela ciência, esperamos que a esposa do pobre homem do aeroporto esteja lendo esta reportagem e saiba que o marido é realmente inocente.
Dicas de ouro
– Divirta-se! Aprenda a rir da situação e saiba que pagar mico faz parte do pacote “filhos”.
– Crie uma peneira social, preparando seu filho para algumas situações com antecedência – saiba que é uma peneira e não um escudo, porque uma coisinha ou outra vai passar.
– Se a saia-justa for inevitável, volte para a dica 1, e lembre-se de que, depois que a vergonha passar, a história vira um “causo” engraçado de família, ótimo para contar na mesa do almoço de domingo ou depois que as crianças crescerem.
Matéria original postada em Revista Crescer